O Golpe Militar de 1964
O golpe militar ocorrido em 1964 estabeleceu no Brasil uma ditadura militar que permaneceu até 1985. Ao longo dos anos o regime militar foi endurecendo o governo e tornando legalizadas práticas de censura e tortura, por exemplo. Os militarescombateram
sem
piedade qualquer ameaça comunista ou manifestantes contra o governo, marcando a história do Brasil por um período negro de atos autoritários ao extremo.
A decisão de se dar um golpe político por parte dos militares não foi algo repentino, aconteceu como consequência de uma série de fatos políticos acumulados no período republicano após Getúlio Vargas. Quando este presidente resolveu colocar um fim a sua própria vida a situação política nacional já estava abalada, a vacância do cargo máximo na política brasileira permitiu uma preocupante conjuntura de sucessão presidencial. Juscelino Kubitscheck foi eleito em pleito eleitoral direto para o governo seguinte, o então presidente desenvolveu um governo que lhe foi possível conquistar o apoio popular, mas por vários momentos os militares esboçaram um golpe de Estado. O sucessor na presidência foi Jânio Quadros, o qual foi eleito com enorme apoiopopular, conquistando uma aprovação nas urnas que até então não havia sido vista. A vitória imperativa fez com que Jânio Quadros acreditasse em um auto-golpe de Estado. Crendo que o povo o apoiaria sempre, arquitetou um plano de renúncia para voltar ao poder através de um pedido amplo de retorno que só aceitaria se lhe fosse dado poderes absolutos. O plano de renúncia de Jânio Quadros não funcionou e o cargo de presidente acabou ficando disponível para o seu vice, João Goulart.
João Goulart era um jovem político que havia aparecido na cena política nacional como Ministro do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Jango, como era chamado, tinha claras aproximações com ideologias e políticas de esquerda, o que o fazia ser considerado como uma ameaça. Para piorar, quando Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio Quadros estava em viagem política na China comunista. Os políticos de direita tentaram de várias formas impedir a posse do vice-presidente, mas Brizola, primo de Jango e governador do Rio Grande do Sul, sustentou o retorno e a posse legítima de João Goulart.
O presidente empossado tentou aplicar uma política de esquerda, foi muito combatido pelos direitistas e criticado como uma ameaça comunista. O estopim necessário para explodir um golpe militar se deu quando Leonel Brizola e João Goulart fizeram um discurso na Central do Brasil, Rio de Janeiro, no dia 13 de março, declarando as reformas de base, lideradas pela reforma agrária. Nos dias seguintes os oposicionistas se organizaram e promoveram seis dias depois a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, o movimento de base religiosa tinha como objetivo envolver o povo no combate ao maléfico comunismo. Assim, a religião, o povo e o interesse norte-americano formavam a sustentação que permitiria o golpe militar.
O golpe começou a tomar forma prática quando no dia 28 de março de 1964 se reuniram em Juiz de Fora, Minas Gerais, os generaisOlímpio Mourão Filho e Odílio Denys juntamente com o governador do estado, Magalhães Pinto. A reunião visava estabelecer uma data para início da mobilização militar para tomada do poder, a qual ficou decidida como 4 de abril de 1964. Mas Olímpio Mourão Filho não esperaria até abril para iniciar o golpe, ainda no dia 31 de março tomou uma atitude impulsiva partindo com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro por volta das três horas da manhã. O general Castello Branco ainda tentou segurar o levante ligando para Magalhães Pinto, segundo o militar o movimento ainda era prematuro, entretanto não dava mais para parar.
Como legalista, ao lado de João Goulart, o general Armando de Moraes Âncora não estava satisfeito, mas quando recebeu a ordem do presidente para prender Castello Branco não a cumpriu. O general Âncora alegou que não queria iniciar uma guerra civil no país e então quando as tropas do governo se encontraram com as dos golpistas se uniram e continuaram a caminhada rumo ao Rio de Janeiro para efetivar o golpe que ocorreu no dia 31 de março de 1964 por volta das dezessete horas. João Goulart, ao se deparar com as tropas, também evitou uma guerra civil abandonando a presidência e se refugiando no Uruguai.
O Congresso Brasileiro providenciou então as medidas que tornaria legalizado o golpe, o senador Auro Soares de Moura Andradedeclarou o cargo de presidente vago alegando que o presidente havia abandonado o Brasil. As eleições presidenciais foram prometidas para 1965, porém não realizadas, os militares passaram a eleger os presidentes indiretamente durante a ditadura que se tornaria mais severa a cada ano. O povo se mostrou confuso com o que estava acontecendo, mas o aparente crescimento econômico fez com que a população se acomodasse. Mais a frente a censura fez com que se calasse.
O golpe impediria tentativas de implantação de uma política comunista no Brasil, com os anos viriam os Atos Institucionais e o regime que tomara o poder através de um golpe se estabeleceria sobre bases legais, porém autoritárias.
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A política externa do regime militar
MATIAS SPEKTOR
O golpe ocorreu em meio à mais intensa mudança de posição do Brasil no sistema internacional.
Entre 1955 e 1960, o Produto Interno Bruto cresceu 8,1% ao ano. Entre 1964 e 1971, os industrializados passaram de 5% para 31% da pauta de exportações, enquanto o café caiu de 55% para 13%.
O país deixou de ser uma economia rural para virar uma sociedade urbana. Pela primeira vez, o Brasil entrou para a categoria de país emergente.
"Como um gigante adormecido, o Brasil está acordando para um período de expansão quase
sem
precedente", afirmava "The Times" de Londres. "Poderemos vê-lo se tornar o Japão do Terceiro Mundo."
Na política externa, o regime militar patrocinou a luta anticomunista. Colaborou com uma intervenção na República Dominicana e restaurou laços com o Fundo Monetário Internacional. Operou em países como Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai.
Juracy Magalhães, embaixador do regime em Washington, proferiu a frase: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
O regime contou para isso com o apoio dos Estados Unidos. Quando a repressão apertou, o embaixador americano no Brasil, William M. Rountree, e seu adido militar, o coronel Arthur Moura, alentaram a atividade nos porões.
No entanto, com o tempo, os Estados Unidos se tornaram um problema para os militares brasileiros.
O poder econômico norte-americano, que num primeiro momento se beneficiara de acesso privilegiado à Esplanada dos Ministérios, passou a se ressentir da política industrial protecionista.
Em temas diplomáticos, a relação também esfriou. Os militares brasileiros no comando acreditaram estar recebendo tratamento de segunda classe: os investimentos eram menores do que o esperado, as condições, árduas, e a atitude da Casa Branca, imperial. E o regime não estava disposto a coordenar com os americanos cada passo de sua própria Guerra Fria na América do Sul.
Esses problemas se exacerbaram quando o Congresso dos Estados Unidos começou a denunciar o uso de tortura. E tudo desandou a partir de 1976, quando o candidato presidencial Jimmy Carter afirmou que o apoio norte-americano ao Brasil ditatorial “é um exemplo da pior faceta de nossa política externa... Um gratuito tapa no rosto [do povo] americano.”
Nos governos dos generais Médici e Geisel, as relações entre Brasil e Estados Unidos, ao invés de melhorar, pioraram, chegando a seu ponto mais baixo.
Os Estados Unidos deixaram de ser a principal fonte de apoio externo à ditadura para transformar-se em ameaça.
O regime respondeu cerrando fileiras.
Quando Carter veio ao Brasil para pressionar o governo por mais abertura política, os generais receberam apoio de lideranças de oposição, como Ulysses Guimarães, sindicatos, imprensa e parte da oposição, que denunciaram a prepotência norte-americana.
Na política externa, o regime acelerou a diversificação de países consumidores, provedores e investidores –-uma alavanca contra o magnetismo da economia norte-americana.
Os militares também patrocinaram coalizões com outros países em desenvolvimento e assumiram liderança no chamado embate Norte-Sul. O regime se afastou de Israel no Oriente Médio para se acercar dos árabes. Aproximou-se dos novos países independentes da África, mesmo aqueles que eram marxistas e recebiam apoio econômico e militar de Cuba.
A ditadura abriu embaixadas em regiões que antes ignorava e suas empresas estatais passaram a fazer investimentos fora do país. O Banco do Brasil abriu as primeiras agências na América do Sul, ao passo que a Petrobras foi para a África.
O regime também patrocinou um ambicioso programa nuclear. Ao lançá-lo, o general Costa e Silva, então presidente da República, afirmou: “Nada nos impede de fazer pesquisa e mesmo artefatos que posam explodir. Não vamos chamar de bomba, mas de artefato que pode explodir”.
Depois de gastar uma fortuna na tentativa de criar um parque industrial nuclear com tecnologia da Alemanha, o regime levou parte de suas atividades para a clandestinidade. Comprou peças no mercado negro, urânio altamente enriquecido da China e desenhou um míssil balístico. No processo, adquiriu capacidade para enriquecer urânio. O custo foi o isolamento --em temas de não-proliferação, o país passou a ser visto como pária.
Em vez de aumentar a capacidade nacional de barganha, o regime militar debilitou-a.
Entre 1973 e 1979, a dívida externa do país quadruplicou, passando de US$ 12 bilhões para quase US$ 50 bilhões.
O país ainda sofreu sanções comerciais e seus representantes passaram a ter de suplicar ajuda a instituições financeiras internacionais. Os ministros da Fazenda da época tiveram de se acostumar à sala de espera do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos.
O Brasil da ditadura ficou mais rico, sem dúvida alguma. Contudo, ao sair do poder, os militares deixaram o país numa posição internacional mais fraca, dependente e injusta do que era possível imaginar em 1964.
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